sexta-feira, abril 13, 2007

Martin Heidegger

==Conceitos fundamentais==

É habitual dividir a produção filosófica de Heidegger em duas partes, uma até ao final da década de vinte, outra a partir daí. Por vezes considera-se também uma terceira anterior à produção de ''O [[Conceito de Tempo]]'' (conferência proferida em 1924, mas publicada apenas em 1983, em Francês). Assim é comum falar-se do ''primeiro'' ou do ''segundo'' Heidegger, conforme se faz referência às suas produções anteriores ou posteriores ao seu livro ''Da essência da Verdade'' (escrito em 1930, embora a publicação seja de 1943). [[Gianni Vattimo]] fala de três momentos da filosofia de Heidegger (ver ''Introdução a Heidegger'', Tradução João Gama, Instituto Piaget, 10ed., 1996).

A divisão da filosofia de Heidegger em momentos não é pacífica. Há quem recuse a divisão, defendendo a continuidade do seu pensamento.

===Dasein===Ainda assim, até ao final da década de trinta, a leitura da filosofia de Heidegger estrutura-se sobre conceitos como [[Dasein]], [[ser-no-mundo]], morte, [[angústia]] ou [[decisão]].
Como entroncamento central de toda a sua fenomenologia encontra-se o conceito de Jeweiligkeit: ser-a-cada-momento ou de-cada-vez (Respectividade). Esta noção é fundamental para se compreender a de Dasein, que não deve ser sem mais vertida para Ser humano, homem, nem mesmo para Realidade Humana (ver, a este respeito, ''A Carta sobre o Humanismo''- para mais pormenores sobre a difícil tarefa da tradução do termo veja-se o artigo correspondente, [[Dasein]]).
O horizonte de fundo de toda a sua investigação é o do sentido de Ser, os modos e as maneiras de enunciação e expressão de ser. Nesta medida o importante está em alcançar a colocação correcta da questão pelo sentido de ser. Assim, ele põe a claro a desvirtuação dessa investigação ao longo da tradição que sempre se prendeu a uma [[compreensão]] ôntica, dominada pelo ente, em vez de se dedicar adequadamente ao estudo do ser. Esta notificação deve indicar-nos que não apenas o ente é, mas que o ser tem modos: há modos de ser. E cada ente deve ser abordado a partir do modo adequado de o abordar, o que deve ser esclarecido a partir do modo de ser próprio do ente que em cada caso está em estudo.

O Dasein, pela sua especificidade, inicia qualquer interrogação. O Dasein é o ente que em cada caso propriamente questiona e investiga. É também o Dasein que detém a possibilidade de enunciar o ser, pois é ele que tem o poder da [[proposição]] em geral. Daí que na questão acerca do sentido de ser seja fundamental começar por abordar o ser deste ente particular. E tem que ser o próprio Dasein a fazer isso, tem que ser ele próprio a mostrá-lo, a partir duma análise fenomenológica esclarecida ([[hermenêutica]]).

===Neokantismo===Algumas obras de Heidegger revestem-se de inspiração kantiana, quer pelo método [[Criticismocrítico]] que os rege, quer pelos seus resultados, quer pela escolha dos temas. Regra geral considera-se que as obras anteriores a ''Ser e Tempo'' são de teor kantiano. Esta fase do seu pensamentos constitui para alguns estudiosos o primeiro momento da sua filosofia, marcado pela influência de [[Kant]] e pela pujânça fenomenológica. Apesar das reservas dos seguidores da sua metodologia, Heidegger tende a ser aproximado ao movimento existencialista. Esta fase é aquela que mais facilmente se relaciona com este movimento.
A tese de doutoramento sobre ''A teoria do juízo no psicologismo'' (1913), a tese de docência acerca d'''A doutrina das categorias e do significado em Duns Escoto'' (1916) e o tratado ''A História do Conceito de Tempo'', também conhecido como ''Conceito de Tempo em Historiografia'' (1914), são concensualmente aceites como (neo)kantianas. Estas obras, dentro de uma terminologia e temática próprias do Neokantismo, abordam problemas que o extravazam e já não podem ser resolvidas nas estritas fronteiras kantianas.
A [[facticidade]] da existência, que viria a fazer parte da terminologia de ''Ser e Tempo'', torna impraticável a posição de um sujeito do conhecimento como sujeito puro que se supõe na reflexão de tipo transcendental. A [[consciência]] implica uma temporalidade irredutível ao tempo físico, estritamente ''métrico'' ou cronológico. Esta temática torna-se o cerne da sua lição inaugural, na Faculdade de Teologia da Universidade de Marburgo, ''A História do Conceito de Tempo''.

===Husserl===Nos escritos de Husserl, na formulação conhecida até 1920, Heidegger podia encontrar já uma novidade radical relativamente ao Neokantismo. Este privilegiava a ciência e aspirava para a Filosofia uma linguagem igualmente rígida e estrita. Para Husserl, o acto de cognição resolvia-se na [[intuição]] eidética (''Anschauung''). O acto cognitivo não podia assim ser limitado ao conhecimento científico, pois trata-se dum encontrar as coisas. O ''ir às coisas elas mesmas'' husserliano ficou conhecido para sempre: trata-se dum encontro com as coisas em carne e osso. Esta concepção já não entende o fenómeno em oposição à coisa em si ou ao [[númeno]], mas como '''manifestação''' ''positiva'' da própria essência da coisa, por assim dizer (veja-se a este respeito H. G. Gadamer, ''Die phänomenologische Bewegung'' em ''Philosophisce Rundschau'' 1963, pp. 19-20). Esta posição saía da matriz neokantiana e dos limites do [[transcendentalismo]].

====Fenomenologia====Heidegger encontra na fenomenologia, na forma que tinha à época, nas obras de Husserl até então publicadas, um mundo em pleno desenvolvimento. Husserl afirmava que "''a Fenomenologia somos eu e Heidegger''".
A Fenomenologia recebe assim influência de Heidegger que lhe inculca alguns dos seus problemas e temas centrais, tais como a ''Lebenswelt''. A influência é, portanto, mútua. Nesta altura Heidegger recebe também vigorosas influências provenientes da segunda edição de Kierkegaard e de Dostoievski, ao mesmo tempo que vê surgir o interesse por Hegel e Schelling por todo o meio académico alemão.
As poesias de [[Rilke]] e de [[Trakl]] são outras fontes de inspiração. Nietzsche, influência e preocupação maior dos anos que vão de 1935 a 1943, está ainda, entre 1910 e 1916, longe do seu pensamento.
A esta altura Heidegger encontra-se principalmente ocupado na interpretação de [[Dilthey]] e Kierkegaard.
===Dilthey===Dilthey ocupará um lugar central em ''Ser e Tempo''. O pensamento dele e o do [[conde de Yorck]] têm o sentido de mostrar que a historicidade só se pode fundamentar se fundada numa recolocação do problema do ser. Em permanente diálogo com Duns Escoto começam-se a delinear em Heidegger as linhas mestras que haveriam de produzir ''Ser e Tempo'': o problema da historicidade é um problema da ''filosofia da vida''. São precisamente os fenómenos da historicidade e da vida que instam à recolocação do problema do ser.
Nesta envolvência instala-se essa preocupação fundamental com a dinâmica existencial. É nesta perspectiva que Kierkegaard adquire uma relevância importante.

===Kierkegaard===Para Heidegger, para os heideggereanos e, de facto, para a maior parte dos existencialistas, [[Kierkegaard]] é um pensador que enunciou explicitamente o problema da existência. Contudo, Heidegger considera que a colocação do problema não remanesceu existencialmente, mas que, pelo contrário, permaneceu geralmente a um nível existenciário ou ôntico.

A formação do pensamento que levaria ao ''Ser e Tempo'' encontraria ainda contributos de [[Paulo de TarsoSão Paulo]], de [[Lutero]] e de [[Calvino]]. No semestre de Inverno do ano escolar de 1919-1920, Heidegger profere um dissertação em jeito de discurso sobre os ''Fundamentos da mística medieval'' e, no ano seguinte, um de ''Introdução à fenomenologia da religião''.
No semestre de verão de 1921 surge um discurso intitulado ''S. Agostinho e o neoplatonismo''. Isto numa época em que as suas preocupações estão centradas na problemática da temporalidade com o estudo de Kierkegaard a fornecer-lhe novos horizontes, e Heidegger traçava novos planos teóricos rasgando com o esquema da ontologia clássica que o próprio Kierkegaard havia deixado intacto, bem como com a estrutura metafísica [[Helenismohelénica]] preservada pelo [[neoplatonismo]] e adoptada por [[Agostinho de HiponaAurélio Agostinho]].
Editando Heidegger

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